Nesse último final-de-semana, sem querer, fiquei observando o homem. Digo homens, no contexto substantivo masculino da palavra. Mais profundamente e especificamente, observei o provedor, o cara que trabalha para dar o mínimo de condições sustentáveis e dignas para sua família. Observei o desempregado, o pedinte que vai de casa em casa. Foram filmes, programas de televisão, relatos ouvidos de alguns desconhecidos que perambulavam pelas ruas, que bateram no meu portão. E sentei na calçada, no chão, no paralelepipedo e tirei deles o melhor de mim, para mim.
O choro de um homem, de um pai de família desesperado, me incomoda.
Normalmente me prendo a pessoas que muito me dizem de forma interior. Não importa se bebem água do poço, ou de uma fonte francesa. Mas, tem que ter o melhor dentro de si. Gosto de histórias pessoais que me façam crescer, que me façam olhar para meu umbigo e ver o quão ainda sou pequena, o quão ainda tenho que me despreender de mim mesma. E esse final-de-semana, observei homens que choravam. O choro, transmindo uma dor profunda causada por um fracasso, uma certeza de não futuro diante da fome. Mas, diria para esses homens, que não há nada mais incerto do que o futuro. Muitas vezes, é possível uma guinada sem precedentes. A pergunta feita de sonhos é: "Quando será o dia da minha sorte, sei que antes da minha morte, sei que esse dia chegará."
Talvez seja fácil falar, observar, escrever, dar o ombro quando em verdade não sentimos na pele, ou nunca passamos por uma situação de quase miséria; principalmente, quando essa situação parece ser ad eternum. É mais fácil dizer, escrever, citar, parafrasear o poeta, o cantor: depende de nós. Mas, o quão é difícil dar tapa na cara da vida quando há pessoas que dependem de você para comer, vestir.
Meu pai, filho de um português bem situado na vida, soube que a familia sucumbiu a miséria quando o meu vô vendeu todo o patrimônio para tentar salvar suas três filhas da tuberculose. Não adiantou. Para salvar os outros filhos, colocou-os em internatos católicos, eram muitos novos para sentirem a dor do mundo, uma dor que o seio materno não mais conseguiria evitar. Na década de 20, 30...a tuberculose era o cancêr da sociedade. Hoje, quando vejo fotos de meu avô paterno; um homem lindo, alto, de olhos azuis, vejo o quanto dele ainda há por ai, na vida, no mundo. Pais que procuram salvar, a todo custo, seus filhos. Mas, o quanto difícil é quando não conseguem.
Quando somos crianças, adolescentes, sonhamos com nossas carreiras, com filhos, familia, estabilidade. Com o passar dos anos, muitas vezes, nos deparamos com caminhos que sequer sabíamos que existia; algumas cobranças, a corda bamba da sobrevivência. E acabamos tendo que matar um leão por dia, para ter o que comer - só isso nos basta.
Vi o homem chorando por não ter o que dar de comer para seu filho; a família que se alimenta de farinha, água, sonhos. Com as mãos na face, ele chora. Procura entender o que houve de errado com seu destino outrora sonhado. As mãos na face, escondem a vergonha. Como é difícil para um homem, dar respostas diante de um prato vazio, contas a serem pagas. E diante dessas situações limítrofes, vejo o quanto difícil é ser pedreiro, carpinteiro, servente...o mundo, de repente, é cheio deles...não há emprego, não há trabalho para tantos nas oportunidades da cidade grande.
Nesse ponto, a mulher é mais forte, mais multifuncional do que o homem. Ela é capaz de se virar em mil. São capazes de serem diaristas, domésticas, fazem unhas, aprendem a cortar cabelos, vendem produtos das revistinhas de Naturas e Avon´s, são sacoleiras, se transformam em prostitutas, casam sem amor, passam na feira e catam a xepa. Normalmente, os homens sucumbem, afinal, foram criados para serem fortes, os provedores.
Não foi tão somente a tristeza, o sucumbir de uma desgraça social que me afligiu, me emocionou. Afinal, ainda morre-se de fome no mundo. Mas, o amor daqueles homens por àqueles filhos, por àquelas famílias...a vontade de simplesmente querer sobreviver...para eles, por eles. Essa demonstração de amor, de afeto, de laços...sempre me faz acreditar que é possível esse amor incondicional.
E quando conseguem o pouco, o suspiro de felicidade é a certeza de um futuro, muitas vezes incerto, mas ainda assim, um futuro ao lado daqueles que são importantes na sua vida.
Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome.
Caetano Veloso
13 comentários:
eu sou mesmo ás avessas!
Querida Beth, as dores do mundo me atinge também. Me pego perambulando por estes lugares, e as vezes, desejaria ter uma vida assim, sem perspectivas a não ser a morte no fim de tudo!
Aquilo que fere a dignidade humana , sempre me sensibiliza e até mesmo me chateia.
Precisamos urgentemente subdividir os recursos erecuperar o sorriso das pessoas.
Este aqui também é show!
confesso que as mulheres são bem mais fortes que os homens....tenho que adimitir...só nos resta aprender com vcs...
arrepiante, fiquei sem palavras para comentar.
Fa�o do Rayol minhas palavras...
Absolutament pungene e tocante! Que text�o ....
Beijos
Lindo o texto!
Ah, música é tudo, né?
Não consigo viver sem!
Beijos
Beth:
Marvilhoso texto!
Perfeito!
Você realmente disse tudo...
É sempre enriquecedor
ler os teus textos.
Um abração.
"Todas as coisas já foram ditas,
mas como ninguém escuta
é preciso sempre recomeçar..."
(André Gide)
meninaaaaa ei meninaaaaaaaa
>.<
linda... te deixei um meme (campanha) no MUNDO A FORA e queria muito q vc participasse, ver lá, lá
te aguardo!
e se for participar me deixa um comentario
bjoka
Belissimas suas palavras e como vc colocou. hoje aos 29 anos, 3 meses para os 30 te digo uma coisa: eu não acredito! Não acredito nessas lagrimas, não acredito nesses homens. e acabei escrevendo tanto q farei um post sobre o assunto em resposta ao seu.
falarei do meu ponto de vista e como vejo esses homens
posso te perguntar uma coisa? onde vc viu esses homens, e q classe social vc pertence, linda não veja isso como uma critica, ou coisa do tipo. veja apenas como um sinal de alerta. te explicarei no futuro
esse é meu msn para q possamos descutir sobre
te aguardo!
costa.lino@hot...
Adão BB = morador do nordeste, do sertão, bem sabes do que falo e como me sinto ao ver cenas assim, que ainda fazem parte desse mundo cão.
Ela = o que mais indigna são as faltas de oportunidades, no país que ainda é considerado o celeiro do mundo. Numa aula de tributário discutiamos sobre as o aumentos de aliquotas e o quanto perdemos com a exportação no que diz respeito a alimentação, ao que abastece ao mercado interno.
Gabriel = acho que são mesmo.
Rayol e DM = sei lá...me senti assim na hora que vi. Escrevendo me senti menos emotiva.
Evelyn e Juli = vocês é que são lindas e seus espaços maravilhosérrimos.
Mundo a Fora = Veja bem...falo de homens que vi em filmes, programas de televisão e àqueles que batem a minha porta e os quais me propus a sentar e conversar. Esse texto foi mais ou menos baseado em um filme, baseado em fatos reais. E lembrei-me da historia do meu avô e de um cara, um assistido na defensoria pública, que foi atras de leite para o filho deficiente. Há homens assim sim...é porque não haveria? É claro que há muito comodismo mundo a fora, mas há muita miséria e muita familia passando a pão e água.
Mas legal você replicar...muito legal mesmo. Ficarei aguardando seu texto.
Beijos a todos !!!!
Disseste-o bem: gente é pra brilhar, não para morrer de fome; inda mais quando tantos tem uma savana inteira e outros não tem nem mesmo um leão pra matar ao ano e resta apenas verem seus filhos morrerem de fome.
Um texto real e sensivel. Tinha que vir de ti.
Um beijinho
Beth querida,
Seu texto trouxe tantos elementos pra pensar. O que me deixa tão indignada é como um país tão rico - sim, estamos entre os 10 mais ricos - pode ser tão cruel, desumano e preconceituoso com relação a desigualdade de oportunidades. Nascemos num país injusto e pouco, muito pouco fazemos pelo próximo. Estamos sentenciados...até qdo?
"a gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte"
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