Recentemente estive em um municipio da Baixada Fluminense visitando uma amiga e fiquei surpreendida com o indice por metro quadrado de igrejas pentecostais e neopentecostais existentes naquele lugar, diria até, naquele determinado bairro daquele municipio. Eram praticamente duas, três numa mesma rua. Eram templos, garagens, sobrados, escolas dividindo o espaço com a igreja. Eram, seguramente, mais de dez em um quarteirão. Se era assim em um simples bairro, imaginem então em todo o municipio!
Pensei em todas as hipóteses possíveis para esse crescimento desordenado da fé. Passei pela lacuna deixada pelo Estado nessas regiões e fui até a beira da insenção fiscal que as igrejas têm de direito. Pensei também em divergências entre os membros - briga-se com o lider, abre-se outra igreja. Outra coisa que muito me chamou a atenção foi que naquela determinada região havia apenas uma Igreja Católica sufocada entre mais de dez evangélicas.
Tentei explicar para mim mesma e para o companheiro que estava do meu lado, esse crescimento via enfoque sociológico num contexto mais abrangente e que não determinasse doutrinas/seguimentos religiosos. Impossivel haver essa separação, haja vista, o claro crescimento de Igrejas Pentecostais ou NeoPentecostais na região visitada.
Procurei alguns artigos de especialistas da Fundação Getúlio Vargas que me dariam o enfoque mais econômico. E procurei também textos oriundos de estudiosos publicados na Editora PUC que me dariam o direcionamento mais social e político. Adoro essas duas instituições no que se refere a pesquisa - são bárbaras.
Dito e Feito! Batata! Na mosca! Eureka! - pelo menos para mim dois pontos em toda a leitura que fiz me chamaram bastante a atenção e me explicaram essa disparidade encontrada na região que visitei.
1 - Ausência do Estado e Isenção Fiscal
O economista Marcelo Néri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autor de um estudo que analisa as doações às Igrejas, diz que o Estado subsidia as igrejas por meio da isenção fiscal - O estudo da FGV, intitulado Economia das Religiões: Aspectos Locais e Ascenção Social (texto em pdf). As Igrejas atuam onde o Estado não atua, é o que o estudo chama em um dos tópicos de Estado Ausente, Igrejas Emergentes - (pág. 27), onde o estudo faz um comparativo entre religiões e as percepções de seus integrantes em relação aos problemas inerentes àquele lugar e que seriam de competência do estado a busca por soluções.
Isso sem citar no que concerne a parte fiscal, a insenção de impostos com a aquiescência do Estado. No caso das pentecostais, elas arrecadam em regiões onde é predominante as classes C e D cerca de 66% das contribuições destinadas às Igrejas. O ultimo dado da Receita Federal, que é de 2004, aponta para uma receita de R$ 9,1 bilhões com uma renúncia fiscal equivalente a R$ 554 milhões naquele ano.
2 - Segregação Socioespacial
O cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio de Janeiro, no seu trabalho intitulado Religião e Sociedade em Capitais Brasileiras, faz um destaque ao processo de diversificação religiosa que vêm ocorrendo nos últimos anos e sua influência no cenário político. Mas dou destaque especial quando Romero cita que os anéis evangélicos não estão associados basicamente à pobreza mas à "segregação socioespacial", que caracteriza os grandes centros urbanos. Na maior parte migrantes, deslocados dos seus ambientes originais, sem a assistência do Estado e com a quase inexistência de igrejas católicas nos lugares mais distantes, esses segregados só encontram nas pequenas igrejas pentecostais uma rede mínima de proteção e solidariedade.
Conclusão
É claro que a Igreja, seja ela qual for, tem uma vasta importância na formação da sociedade e do Estado, mas a meu ver não deveria ser papel da Igreja suprir a lacuna deixada pelo Estado no dever de dar à esses cidadãos o minimo de direito - aliás, essa é uma discussão muito antiga que reporta ao tempo em que o Imperador era o chefe da Igreja - ou seria o Bispo o chefe do Estado? Igreja, sociedade política? Enfim...
As Igrejas atuam onde o Estado não atua? Mas por onde passei, com certeza não há ruas asfaltadas, a iluminão pública é precária, não há escolas próximas, não há transporte regulares e um há um indice de criminalidade crescente. Se há limites para a Igreja na execução de tarefas próprias do órgão estatal, então, seria o papel da mesma, nessas localidades, apenas amenizar o sofrimento pela ausência de serviços públicos dignos àquela comunidade? Não saberia responder. Mas com certeza, se há mais de uma igreja em cada rua, mais de dez em um quarteirão significa um valor considerável na isenção de impostos, impostos esses que poderiam sim, ajudar àquela comunidade que paga seu dízimo religiosamente e os impostos de vez em quando atrasados - mas pagam.
Ajoelhou? Tem que rezar!
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As religiões são caminhos diferentes convergindo para o mesmo ponto. Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos o mesmo objetivo?
Fonte: Fundação Getúlio Vargas - Editora PUC Rio - Instituto de Estudos Avançados da USP
4 comentários:
Muito interessante a abordagem que vc. fez Beth, aqui em SC, pelo menos em Tubarão onde moro atualmente, a situação é a mesma (pipocam seitas e templos em todo lugar). Mas, infelizmente a igreja (seja ela de que credo for) não supre a lacuna do Estado. Concluo que, o círculo de exclusão social só se acentua, pois, na verdade é uma falsa ilusão de ajuda, movida em uma fé cega. Bjs.
Muito bem abordado o assunto. Realmente há um crescimento desordenado de igrejas neopentescostais em regiões carentes. Prometo ler com muita cautela os estudos desses dois grandes nomes da pesquisa. Conheço o Professor Cesar Romero Jacob pessoalmente e sei de sua grande capacitadade em pesquisa de campo, bem como, da seriedade do profissional que é Marcelo Neri.
Bethinha, um excelente post, com pesquisas relevantes e de peso. Parabéns
Beijão
Querida, sobre o papel da igreja você sabe que eu sei, mas, não vou falar muito, só para dizer, que o Estado usa a igreja como meio de controle, e a Igreja apoia-se no Estado para se manter.
O número crescente de igrejas, é um plano milenar, engendrado no limiar das cortes celestes para ocultar alguns apetrechos, que se cairem em mãos erradas, o estrago é enorme...
eis abaixo, o primeiro capítulo:
Eternos
Claudya = brilhante sua colocação! Infelizmente é um tema que poucos discutem e com isso essa fé cega vai aumentando e os deveres que são do Estado não são cumpridos.
Pedro = Legal! depois diga o que vc achou sobre tais pesquisas.
Adão = Vou ler o artigo que vc linkou e prometo discutir posteriormente com você.
bjs
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