quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Maria de Tal...

Maria de tal, brasileira, trinta e nove anos, casada, três filhos, dona-de-casa, mãos calejadas, apenas um digito a mais entre identidades e cpf´s, sem estudo complementar, residente e domiciliada onde o gato perdeu as botas, nesta cidade de lugar nenhum, vem por meio de seu espelho mágico supra-assinado requerer

UMA VIDA NOVA NO ANO NOVO

pelo rito prá lá de extraordinário e transcental, em face dela mesma, pelas razões de fato e nada direito que passa a expor:

1 - DOS FATOS

Maria de tal casou muito novinha, com quartoze anos e, quase vinte e cinco anos de atividade matrimonial e carnal mantinha uma vida como Deus quer e do jeito que quiser. Naquela manhã de verão, ela não acordou tarde de bode e resolveu sair para comprar presentes num shopping local do seu bairro. No entanto, ao chegar num loja especializada em artigos feminios, se pôs diante de uma prateleira de lingerie, e estaticamente já como o olhar perdido diante de tantas novidades; questionou onde estava MARIA DE TAL PERDIDA EM ALGUM LUGAR.

A autora, diante do espelho de referida loja olhou para suas mãos, sua face nem tão mais viçosa, para seu corpo sem as velhas e boas formas, para sua estória, para seu passado e se pôs a chorar. Quase vinte e cinco anos após contrair núpcias, semanas antes de suas bodas, Maria de tal, brasileira, casada, três filhos, dona-de-casa, mãos calejadas, apenas um digito a mais entre identidades e cpf´s, sem estudo complementar, residente e domiciliada onde o gato perdeu as botas, nesta cidade de lugar, percebeu que não mais existia como mulher.

Maria de tal, retornou aos prantos à sua residência, trancou-se no seu quarto ainda juvenil e ficou prostrada diante do seu espelho. Clamava por uma vida nova, clamava pela vida que ela não havia se permitido viver.

A autora, não culpava o seu marido que era um bom provedor, apesar de algumas traições e de por vezes cheirar a bebida, mas não deixava de ser um bom companheiro que lhe presenteava com roupas caras, joias, viagens, comida farta na mesa, que por vezes lhe procurava para saciar sua libído, por vezes lhe acarinhava com palavras dóceis e gentis - afinal, seu papel era ser esposa; Muito menos culpava a maternidade que lhe tirou as formas e lhe fez deixar de lado os sonhos antes sonhados para poder gerir melhor a casa, os estudos e a educação formal de seus lindos rebentos - afinal, seu papel era ser mãe. No entanto, diante de seu espelho mágico, Maria de tal percebeu que Maria de Tal não existia para ela mesma dentro de seu próprio papel.

Algumas boas semanas depois, era chegado o grande dia. Era um dia festivo, um dia inteiro de gente entrando e saindo o tempo todo de sua residência. A noite caia e estava de um brilho incomum, de um céu somente permitido a poucos olhos, a casa cheia de convidados - era o dia de suas bodas de prata em uma noite de lua de prata. Entretanto, diante do olhar perplexo de centenas de convidados, Maria de Tal desce as escadas. Ela estava linda !Usava um jeans levemente desbotado, camiseta e cabelos desalinhados, sem maquilagem e uma sandalinha rasteira. Ela agradece a presença de todos, mas avisa que tem três provas na faculdade e que para a festa continuar teriam que esperar que ela voltasse depois das vinte e três horas.

Ela saiu. Foi fazer a prova. Ninguém havia percebido que Maria de Tal havia mudado. Ninguém observou os livros na mão de Maria de Tal. Mas apenas à ela interessava essa mudança a ninguém mais.

Dez anos depois daquelas bodas, Maria de Tal não era tão somente Maria de Tal. Era a Delegada Federal Maria de Tal, quarenta e nove anos, brasileira, separada, 5 filhos, mãos agora tratadas, alguns lifting´s, ainda sendo mais um digito entre identidades e cpf´s, mas com muita pressa em resolver uma pendenga de uns safados do tráfico internacional de entorpecentes.

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Queria fazer uma peça só de sacanagem, mas me perdi viajando na maionese. Essa "peça"/estorinha começei a escrever pensando em uma conhecida/cliente de minha mãe que estava passando por um problema existencial, quase uma depressão.

Um dia, estávamos numa loja de lingerie, vi o desânimo em seus olhos diante de tanta novidade. E ela mesma, após saracotear na loja, ficar olhando suas prateleiras, reconheceu que havia se perdido de sua vida, na sua feminilidade. Falou-me de seus sonhos, de suas expectativas, de seu casamento, filhos...enquanto mexia na prateleira de calçinhas exocet.

Fí-lo porque qui-lo pensando na Maria de Tal, mas acabei não postando, afinal, tanta gente já dá a receita e fórmulas para isso ou aquilo que Maria de Tal seria apenas mais uma Maria de Tal cansada de guerra. Deixei o texto perdido em meus alfarrábios virtuais.

No primeiro dia do ano novo Maria de tal me ligou para contar uma novidade! Mais do que imediatamente recordei-me do texto que escrevi para ela.

- Mocinha! Passei no vestibular e passei num concurso!

- Jura? Que legal! E ai? Tá feliz?

- Estou muito feliz! E vou te dizer: A casa caiu! Vamos nos separar.

- Jura? Que chato!

- Quer saber? Dane-se. Ainda dá tempo de ser Delegada Federal.

Nader Couri é um piloto de asa-delta que voa solo. Ele faz muitos vôos ao Cristo Redentor e tem um belissimo e premiadissimo trabalho em video chamado Asas-Um Sonho Carioca. Nader divulgou numa lista de um grupo de discussão, um video-cartão que ele fez para desejar à galera do vôo um Feliz Ano de 2008 com bons vôos. Bem, não faço parte dessa lista, aliás, de lista nenhuma ligada ao vôo livre, mas ele me enviou esse video para meu e-mail. É um lindo vídeo, onde na viseira do capacete você vê a imagem do Cristo Redentor refletida. Mas ele deixa uma belissima mensagem ao final do video, onde ele empresta a todos os seus olhos, a sua visão do vôo com uma bela imagem refletida na viseira de seu capacete. Pedi para ele divulgar o video no Youtube, mas não sei se ele o fará. A mensagem é:

"Os detalhes podem estar onde menos esperamos só precisamos de um pouco de sensibilidade pra saber encontrar" (Nader Couri)

E é nessa percepção desses detalhes, nesses pequenos sinais que a vida lhe dá, aliás, detalhes estes que Maria de tal encontrou numa simples prateleira de uma loja; detalhes vistos pela viseira do capacete de um piloto de vôo livre, que desejo com esse primeiro post no segundo dia do ano, um 2008 maravilhoso para todos nós.

* Cheguei de viagem, mas daqui a pouco me ausento novamente. Daqui a duas semanas sossego o facho...

5 comentários:

Ricardo Rayol disse...

Isso que é dar a volta por cima

Anônimo disse...

Ai, que vontade de sossegar o facho também...

abs do nil

Anônimo disse...

Muito louca essa tua tentativa de fazer uma peça sobre essa amiga de tua mãe. Bethinha, que bom que ela tentou e conseguiu. Tenho um amigo assim também que depois dos 40 anos se tornou promotor de justiça. Legal ver pessoas crescendo.
beijão gatona linda

Anônimo disse...

Foi ser delegada, e continuou Maria de Tal???

A conspiração de dominação feminina continua. Mulher continuará sendo mulher, dúvidas, tristezas. Se é mãe, se é advogada, se saiu, se não saiu, se deu, se não deu, se ligou, se não ligou, tudo é muito paranoico na cabeça de mulher...

Matemática e Mulher deveriam ser amigas intimas, e nós homens, nos contentamos tão somente com as quatro operações básicas, começando com somar, depois multiplicar, diminuir e no fim de tudo dividir... por conta das mulheres é claro!!!

Karina Kakai disse...

eu ia saindo, mas fiquei pra um último texto... e que texto!!!! Beth, eu tenho que colocar como "obrigação de rotina", "Beth uma dose por dia", no mínimo!!!
Sua visão da vida, seu jeito de expressar seu pensar, seus questionamentos, suas experiências, sua vida e a vida ao seu redor me fazem uma pessoa melhor, sedenta de coisas boas e que edifiquem e me façam um ser humano melhor. Obrigada pela contribuição que você me dá como pessoa. Que seja recompensada por esse bem! Abraço e agora, boa noite meeeeeeeeeeesmo!!!!